ilustração João Caetano
Não me negues a palavra. Pelas artes
de uma palavra segui sozinho ouvindo o grito de outros companheiros a percorrer
outro caminho. Naquele tempo, senhora, os pântanos me atraiam e os arrepios do
meu corpo aumentavam a visão dos esverdeados, meu corpo fremia. Não me negues a
palavra. Pelas artes de uma palavra abri picada diferente que não me levava ao
bosque. Ouvia meus companheiros rirem e chorarem fascinados com as veredas, os
frutos quase ao alcance das mãos. O meu caminho, senhora, tinha reverberações
encantatórias, mentiras e verdades no mesmo chão e o veneno das folhas eu só
podia descobrir pelo exercício do meu paladar e do meu corpo. Poderá algum
coração, senhora, saber das tantas vezes que tive a beira da morte pelas ânsias
de saciar o meu desejo?
Enquanto meus companheiros avançavam
em rodopios e encantamentos, eu vencia distâncias tão pequenas que me parecia
estar sempre no mesmo lugar.
Não me negues a palavra de cujas artes se
nutriu tanto exílio pois se assim o fizeres estarás negando a permissão e as
promessas. Não é esse o silêncio de que preciso para atravessar a floresta.
Imposto o sossego me faltarão os sons articulados, os ruídos para que não
percamos a memória. Não me negues a palavra para que a trilha não se altere nem
as perspectivas sejam removidas.
Maria Lúcia Medeiros. Quarto de hora, 1994.p.53.
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