quinta-feira, 20 de setembro de 2012

POETA GISELLE RIBEIRO GANHA PRÊMIO RAPTICULA DE LITERATURA

 
            Deu em todos os jornais da cidade, em todos os jornais do estado, em todos os jornais do continente: poeta Giselle Ribeiro ganha prêmio Rapticula de Literatura.
         Convocada para uma coletiva, a poeta não compareceu, não justificou a ausência, tampouco se desculpou.
         Os jornalistas presentes na coletiva tiveram que se contentar com a ausência da poeta para falar do assunto. E as tentativas de ter o que dizer foram nulas.
          Soube-se, porém, no início da noite da coletiva, que a poeta foi mandada a um hospício e lá se mantém desfilando a sua alta costura.
          Soube-se também, que a poeta Giselle Ribeiro ganhou o Prêmio Rapticula de Literatura com livro que jamais foi, nem nunca será publicado.
            Para saber mais,ou menos, leia os jornais da cidade, do estado, do continente
ou visite o hospício para onde a poeta foi mandada:
 
      
Assim fica dito. Assim será.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

MARIA LÚCIA MEDEIROS. MENTIRAS E VERDADES NO MESMO CHÃO

 ilustração João Caetano
 
          Não me negues a palavra. Pelas artes de uma palavra segui sozinho ouvindo o grito de outros companheiros a percorrer outro caminho. Naquele tempo, senhora, os pântanos me atraiam e os arrepios do meu corpo aumentavam a visão dos esverdeados, meu corpo fremia. Não me negues a palavra. Pelas artes de uma palavra abri picada diferente que não me levava ao bosque. Ouvia meus companheiros rirem e chorarem fascinados com as veredas, os frutos quase ao alcance das mãos. O meu caminho, senhora, tinha reverberações encantatórias, mentiras e verdades no mesmo chão e o veneno das folhas eu só podia descobrir pelo exercício do meu paladar e do meu corpo. Poderá algum coração, senhora, saber das tantas vezes que tive a beira da morte pelas ânsias de saciar o meu desejo?

          Enquanto meus companheiros avançavam em rodopios e encantamentos, eu vencia distâncias tão pequenas que me parecia estar sempre no mesmo lugar.

          Não me negues a palavra de cujas artes se nutriu tanto exílio pois se assim o fizeres estarás negando a permissão e as promessas. Não é esse o silêncio de que preciso para atravessar a floresta. Imposto o sossego me faltarão os sons articulados, os ruídos para que não percamos a memória. Não me negues a palavra para que a trilha não se altere nem as perspectivas sejam removidas.

Maria Lúcia Medeiros. Quarto de hora, 1994.p.53.


MARIA LÚCIA MEDEIROS - "A FRONTE PÁLIDA"

ilustração de João Caetano. Roubada do livro A maior flor do mundo
                                               
         
          Nasceste em noite de loucura, nascituro sim, e os primeiros sinais foram precedidos por arrepios fugazes de um gozo inocente, prazer restituído, aproximação maravilhosa, encontro aquecido a cada segundo em que tua imagem mergulhava em nitidez.

          Ver teu ombro primeiro, depois a nuca e ver ainda inflamar-se o desejo de trazer-te inteiro, arrancar-te do limbo das nebulosas, acariciar com o meu temor a fronte pálida. Tomar-te nos braços e iniciar o rito banindo primeiro a malícia, os arrependimentos, a mentira.

          Escolher as palavras, as sagradas sim, iniciar o gestual do encantamento, o eterno rir, proteger teu corpo buscando a perfeição. Não ter descuido, antes cuidar para que a insensatez não se enredasse nesse enredo.

         Sensível, desprezar o perverso, fugir dos malefícios. Umedecer teu chão, plantar-te, nomear-te, fazer-te verbo. Vigília iniciada, vigília empreendida, localizar casa e casal, demarcar território e edificar o tempo da memória.

         Houve que um dia nem pela terceira vez o cantar do galo foi ouvido. Um malsinado gesto interrompeu origem e saga e, para punir o sono da vigília, a dor foi imposta sem misericórdia.

 
                                                                 do Quarto de hora. p.47.
 

OS GLÓBULOS NEGROS DE GEÓRGIA CORRÊA MARQUES

 Colagem: Geóriga Corrêa Marques

Tenho inscrito no pêlo do leopardo 
           vários nomes que são meus

Vou junto com a barba rala do homem velho            
           que quase caminha pela praia

Às vezes eu sou a bala rápida       
          atravessando o coração do cimento

Mas não venha me dizer que sou
         o beijo de namorado
         lábio dente língua cabelo
         no banco da praça

        Nem o traço doido da paisagem
        criança música
        o cheiro de livro velho

 Talvez eu seja sim
       o beijo e o deserto feio da criança

Talvez nem seja o meu nome
       que corre pelas savanas caçando zebras

Nem barba lâmina velho areia
Nem projétil rápido
       (lendo porque em coração
                  nada é ligeiro
        tem que ser atemporal
        navegar o sangue devagar
                   até o pulmão – voz louco
                   grito sopro.)
                  
Geórgia Corrêa Marques. Glóbulos negros. 1995. p. 25